Mamãe é diabética (ou como sou uma diabética muito melhor por causa da minha filha)
- Luciana Sarmento Scheiner
- 25 de set. de 2017
- 3 min de leitura
Eu, mãe da Alice, sou diabética desde os 11 anos. Fui diagnosticada em 1990, quando os estudos sobre o tema ainda eram muito incipientes, quando não havia contagem de carboidratos, quando refrigerante diet só se encontrava em restaurante de luxo e a sobremesa possível pro almoço de domingo consistia em pudim de chocolate diet Royal formando um pavê com biscoitos cream cracker.

Lembro-me muito bem da minha primeira consulta com a saudosa e queridíssima Dra. Inge Borg, na qual ela me explicou com toda aquela exatidão alemã o que estava acontecendo com o meu corpo. Mas ali, aos 11 anos, eu ainda não vislumbrava o que teria que fazer para realizar um dos maiores sonhos da minha vida: ter um filho.
Tive altos e baixos na minha diabética vida e quando casei já estava mais assentada e controlada. Aproveitei uns dois anos de uma vida pacata e depois resolvi me juntar à selvagem e maravilhosa aventura que é ser mãe. Fora todos os cuidados que uma gravidez planejada requer, tive que tomar outros cuidados a mais antes de engravidar. Combinei com minha endocrinologista que minha hemoglobina glicada teria que estar abaixo de 7 para que eu pudesse começar a tentar. (Glossário – hemoglobina glicada = média da sua glicemia nos últimos 90 dias). E assim fizemos. Em junho de 2011 parei de tomar pílula anticoncepcional e um mês depois já estava grávida.
Com o resultado do positivo nas mãos, minha endocrinologista e minha obstetra tiveram que dar as mãos e montar um plano para que tudo corresse bem durante a gravidez. O primeiro obstáculo foram os primeiros três meses – uma glicemia alta é perigosíssimo para a formação inicial do bebê. É super importante que o controle seja feito com frequência. Mas quando a gente tem outra vida dentro da gente, a gente faz por essa vida o que geralmente não fazemos por nós.
Como eu já tinha engravidado com a hemoglobina glicada no seu devido lugar tive que tomar injeções de cortisona no meio da gestação, caso o bebê precisar nascer antes. Esta injeção faz o pulmão do bebê amadurecer mais rápido e deixa-lo mais apto a sobreviver caso precise nascer prematuro. Mas vocês sabem o que é cortisona pro diabético? Pior que leite condensado com nescau, meus amigos! Mas esses picos eventuais por conta do medicamento já eram esperados e como já estávamos nos encaminhando pro terceiro trimestre, o risco valia a pena.
Sabe todas aquelas consultas e exames laboratoriais que toda grávida faz? Multiplica por 100! Ao final do ano, eu, com 6 ou 7 meses de gravidez, levei até lembrancinha de natal pros funcionários do laboratório!
Graças a Deus, às minhas médicas maravilhosas e ao meu controle infinito, Alice nasceu de cesariana com 38 semanas. Linda, perfeita, bochechuda, cabeluda! Eu ali deitada, aparelho de pressão em uma mão e dedinho sendo espetado para medir glicemia na outra. Lembro que a obstetra anunciou naquele 5 de março: “21:23 – seja bem vinda, Alice” – e na outra ponta a endócrino: “Glicemia em 105, excelente, Lu!”.
Ali nasceu Alice e ali nasceu uma mãe diabética – uma mãe muito preocupada com a própria saúde. Uma mãe que entendeu que pra conseguir ver os netos, vai precisar de muito controle. E que aproveitou os (bons) hábitos adquiridos durante a gravidez para ser incorporados ao resto da vida.
E ali nasceu uma filha. Uma filha que precisa aprender a comer de forma saudável – o que obrigou o resto da família a entrar na mesma rotina. Uma filha que obviamente não consome refrigerantes (só eventualmente, no fim de semana, e mesmo assim ela nem liga). Mas pra isso precisei deixar minha amada, idolatrada, salva-salve Coca Zero, de folga durante os dias uteis. E uma filha que tem festinhas de criança todos os fins de semana. Festa de criança pra diabéticos é muita tentação junta, gente!
Sempre falo que Alice me ensina muito mais do que eu ensino a ela. E nesse caso, acho que ela veio também pra cuidar de mim, tanto quanto eu cuido dela. E segue o baile!
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