Criança não namora nem de brincadeira???
- Luciana Sarmento Scheiner
- 3 de out. de 2017
- 3 min de leitura

Já há alguns meses vem circulando na internet um texto intitulado “Criança não namora – nem de brincadeira!”. Já parei para ler o texto algumas vezes, mas alguma coisa me incomoda e vou aqui, respeitosamente, dele discordar.
Acho que as crianças tentam reproduzir no mundo delas um pouco do mundo dos adultos. E não vejo mal algum no fato delas tentarem reproduzir esse detalhe também no mundo infantil. Que fique bem claro, primeiramente, que o fato de elas “tentarem reproduzir” não é sinônimo de “poder fazer como quiserem” ou “poder fazer exatamente o que fazem os adultos”. Eles brincam de criar uma família, brincam de ser cowboy (Alice adora brincar disso aqui em casa!), brincam de cantar, de dançar – mas não efetivamente recriam isso. E o papel dos adultos é exatamente o de deixar claro que não passa de uma brincadeira.
Quando a criança vem pra casa dizendo que tem um namorado, isso não significa que ela está erotizando fato. Na minha opinião, quem erotiza isso são os adultos. Na cabeça da criança, ela tem um amigo de quem gosta muito. Da mesma maneira, funciona o título de “melhor amigo” ou “melhor amiga”. Esses melhores amigos vão variando e a criança vai tendo essa experiência de recriar no mundo dela a experiência de ter um amigo especial. Quem dá o teor dessa experiência são os adultos. O que Alice vê aqui em casa no quesito “melhores amigos” são os grandes amigos que temos e que fazem parte da nossa vida ativamente. O que ela vê no quesito “namorado” sou eu e o pai dela e o modo como nos relacionamos – com companheirismo, respeito, amizade e muito amor (e algumas briguinhas de vez em quando!).
Acredito que se a criança demonstra algum tipo de comportamento erotizado, deve-se investigar de onde isso está vindo – porque ela certamente está se espelhando em alguma coisa que está vendo.
Alice está com mania de “beijo na boca”. Eu e o pai damos um beijinho de “bom dia” e lá vem ela em coro (com ela mesma) batendo palmas: “beijou na boca, beijou na boca”. Encaro isso como uma curiosidade natural. A gente sempre explica que são só os adultos que fazem isso. E mais: não condicionamos a existência dela a ela ter um namorado. Ou seja: o assunto de namoro de criança só aparece aqui em casa quando ELA traz à tona. Não fico perguntando a todo momento: “mas e o namoradinho?”, nem encorajo outras pessoas da família a fazer isso. Tratamos do assunto com naturalidade e sempre que ela fala que “fulano é meu namorado”, nós lembramos a ela que o namoro é de criança e que, portanto, é diferente do de adulto. E vou contar pra vocês: o assunto nem é frequente por aqui, acho que exatamente porque não fazemos um circo em volta disso.
Acho que esse texto que anda circulando por aí é na verdade, na minha opinião, um dos exageros da nossa contemporaneidade. Eu tive namoradinhos na infância e nem por isso fui namoradeira na adolescência (pelo contrário, era muito tímida!). Sinceramente, me choca muito mais alguém levar a criança pro Show das Poderosinhas da Anitta. Nada contra a Anitta, quem quiser gostar dela, ótimo. Mas a música dela e o jeito dela dançar não são para crianças, definitivamente, ainda que venha com um disfarce infantil.
Em resumo: na minha opinião (e que fique bem claro que respeito quem pensa diferente), criança pode namorar de brincadeira, sim! Sem que isso vire uma obsessão e com carinho e respeito. Não vejo mal algum.
A foto que ilustra esse post é da Alice levando o Xereta pra passear com o Gabriel, filho de uma das minhas melhores amigas de infância. Nós não incentivamos o "namoro", mas também não proibimos. Às vezes, eles dizem que são namorados. No momento seguinte, brigam pelos motivos naturais de criança. Sentem saudade quando passamos muito tempo sem nos vermos. Alice se refere a ele e ao Henrique, filho de outra grande amiga, como "meus amigos do peito". O carinho e o respeito são essenciais.
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